Cerca de 56,2% dos indivíduos que apresentaram complicações graves pesquisados eram obesos

Um estudo avaliou como o sobrepeso e a obesidade são fatores de maior risco para gravidade e morte por covid-19, levando à internação hospitalar e até morte, independentemente da idade, sexo e comorbidades.

Os dados foram publicados por pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Bauru (USP Bauru) e da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu na revista especializada Obesity Research and Clinical Practice no início do mês de setembro.

Dados do Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis), do Ministério da Saúde, de 2019 apontam que 20,3% da população brasileira adulta é obesa (índice de massa corpórea ou IMC igual ou acima de 30). Já a porcentagem da população adulta com excesso de peso (IMC igual ou maior de 25, incluindo casos de obesidade) é de 55,4%.

Os fatores da obesidade que estão associados a esse risco são uma inflamação crônica baixa do organismo, a baixa produção de interferons –proteínas que impedem a replicação viral–, atividade reduzida de células de defesa, como macrófagos –responsáveis por eliminar as células infectadas–, células B –responsáveis pela produção de anticorpos neutralizantes– e linfócitos T –resposta imune celular.

Também são fatores a maior carga viral do Sars-CoV-2 nestes indivíduos –o vírus parece se aproveitar do acúmulo de tecido adiposo como reservatório– e ainda a associação frequente de diabetes do tipo 2 com obesidade, causando um déficit ainda maior no sistema imunológico.

Utilizando um método combinado de revisão sistemática com meta-análise –análise dos dados de diversas pesquisas já publicadas, sem fazer novos estudos empíricos–, os pesquisadores analisaram nove artigos científicos publicados até o dia 27 de abril, sendo a última busca realizada no dia 3 de maio.

O estudo, coordenado pela pesquisadora Sílvia Sales-Peres, da USP Bauru, avaliou um total de 6.577 pacientes internados com covid-19 em estado grave em cinco países: China, França, Espanha, Itália e Estados Unidos.

Cerca de 56,2% dos indivíduos que apresentaram complicações graves pesquisados eram obesos.

Na amostragem, a maior parte dos pacientes era homem (59,8%), e as comorbidades mais frequentes eram hipertensão (51,5%), diabetes (30,3%) e doenças do coração (16,7%).

O risco provável para pacientes obesos e não-obesos contrair covid-19 independentemente de severidade não foi estatisticamente significativo, mas isso pode estar relacionado à quantidade de pacientes obesos (107) versus não obesos (356) incluídos na pesquisa.

Porém, quando avaliadas a progressão da doença e a mortalidade, essas foram positivamente associadas à obesidade. A taxa de mortalidade global encontrada pelos pesquisadores para pacientes obesos foi de 9%.

Segundo Sales-Peres, houve uma subnotificação nos primeiros trabalhos sobre Covid-19 dos pacientes com obesidade.

"Os primeiros estudos avaliaram severidade em pacientes com hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares. Mas eles não avaliaram que esse paciente hipertenso era obeso, que esse [paciente] diabético era obeso. Cerca de 33% dos obesos têm diabetes do tipo 2 e 60% dos indivíduos com sobrepeso ou obesidade têm hipertensão."

Os indivíduos obesos apresentam maior risco para desenvolvimento do quadro agravado da doença não só por ter uma comorbidade, mas por ter um tipo de inflamação crônica de baixo grau no organismo que agrava o sistema imune.

Essa inflamação é como uma deficiência no sistema imunológico, que pode ser observada na baixa presença de células B, de linfócitos T e de macrófagos, que atuam como defensoras naturais no combate ao vírus. Esses pacientes também apresentam quantidade elevada de citocinas, que aumentam o processo inflamatório.

A associação com o diabetes tipo 2 piora ainda mais essa condição, uma vez que a glicose elevada no sangue afeta os macrófagos. O acúmulo de tecido adiposo pressiona ainda o diafragma, comprometendo o sistema respiratório.

Por terem uma rede de células adiposas, a quantidade de vírus que pode invadir e se replicar nessas células é maior, fato comprovado ao se observar que a carga viral expelida por um paciente obeso é maior do que aquela expelida por um paciente sem o excesso de peso.

Sales-Peres ressalta que o uso de corticoides e de terapias para diminuir a resposta inflamatória exacerbada do organismo –a chamada tempestade de citocinas– pode ser comprometido em pacientes obesos ou com sobrepeso devido à essa resposta imune inata defasada.

"O paciente com sobrepeso ou obeso não possui esses fatores que complementam a terapia medicamentosa. Se o organismo não responde, muitas vezes a medicação não funciona."

A pesquisadora reforça a importância de uma campanha nacional de saúde pública para orientar a população com sobrepeso e obesidade de reforçar os cuidados e melhorar a alimentação e qualidade de vida.

"Recomendamos a prática de atividades ao ar livre. mesmo que caminhadas, e um enfoque maior na alimentação saudável. É importante também esse paciente saber que, caso seja infectado, seu quadro pode progredir muito rapidamente. Por isso, ao menor sinal de infecção é preciso buscar atendimento médico", diz.