Festival de Dança de Joinville (SC): um divisor de águas para o projeto

O último mês de julho foi especial para a Academia das Artes Carlos Laerte. Isso porque a casa foi selecionada para participar do maior festival de dança do Brasil, e um dos maiores da América Latina e do mundo, que celebrou sua 35ª edição. Para a viagem, foram selecionados 17 jovens que se destacaram nos ensaios, e realizaram apresentações para milhares de pessoas durante sete dias. “Joinville foi um sonho para mim. Achei que algo assim nunca fosse acontecer. É gratificante saber que pessoas lutam por sonhos como esse”. Comemora Priscila Pereira, 27 anos, que é professora e aluna da academia, e abandonou biologia para cursar dança na faculdade.

Priscila também conta que, apesar de ainda ter 27 anos, achava que uma oportunidade dessas não iria mais aparecer em sua vida, e que a ida à cidade catarinense foi um verdadeiro marco em sua história pessoal e profissional. “A viagem nos deu muita maturidade. Meu pensamento mudou. Se eu acreditar, posso ir além”, completa. Lara Castro, de 17 anos, é outra que abre um largo sorriso no rosto toda vez que se lembra do festival. “Joinville foi a melhor coisa, até pelas companhias”, celebra a aluna, que assim como todas as outras, exaltou a participação da coordenadora e professora do projeto, Louisi Reis. “Ouvir das minhas pequenas que sou inspiração me deixa ainda mais realizada. Tenho certeza que estou no lugar certo. Eu sempre digo que elas têm que ser melhores do que eu. Como professora sempre me dediquei muito para esses festivais, e esse ano tivemos o maior de todos. Meu sonho é formar artistas”, contou Louisi.

Laerte também celebra a participação no festival como o voo mais alto já realizado pelo projeto, que pela primeira vez saiu do estado do Rio. “A gente já participou de outros grandes festivais, como o de Cabo Frio e Rio das Ostras, mas esse é o maior festival do Brasil.”. A presença da Academia das Artes, entretanto, não foi nada fácil. Pela magnitude do evento; entre os custos, a viagem para Santa Catarina, e pela falta de patrocinadores disponíveis, o dono da academia teve que usar da criatividade para arrecadar verba. “Fiz uma festa junina algumas semanas antes, fiz rifa, eu ajudei e alguns pais ajudaram. Alguns deles se propuseram a pagar uma parte, inclusive foram três pais também. Então, a gente fez uma grande vaquinha”, disse ele, que admitiu ter arcado com 70% das despesas com o próprio bolso.

“Não tem preço. Até um pai falou para mim: “Laerte, isso vai ficar guardado na cabecinha deles para sempre, a maneira que você colocou isso na vida deles.” O relato de Carlos Laerte é um exemplo do que acontece com muitos projetos sociais no Brasil que não contam com ajudas governamentais: a dificuldade de conseguir um patrocinador. Uma grande empresa de telecomunicação chegou a visitar a academia e, impressionado com o que viu, apresentou uma proposta de patrocínio, entretanto, o contrato não foi fechado graças a uma venda repentina de parte da companhia.

Mesmo com as dificuldades, Carlos Laerte ao lado da coordenadora Louisi Reis não desanima. Para ele o grande prêmio é dar oportunidade para jovens mostrarem seu talento e, além disso, caso não sigam o caminho da arte como ele, sejam cidadãos diferenciados. “Independente de seguir a carreira da arte ele (aluno) vai ser bom cidadão. Ele pode sair daqui formado, mesmo que não queira ser artista, ele vai saber se colocar, vai conhecer um Pollock, vai saber quem é Tarsila do Amaral, vai ter lido Nelson Rodrigues, vai saber ir a um museu, um teatro, vai saber falar para 200, 300 pessoas. “Não sou bailarino, não sou ator, não sou cantor, mas sou um cidadão diferenciado”. Esse é nosso grande princípio”, comenta.

Engana-se, entretanto, quem pensa que a Academia das Artes de Carlos Laerte limita-se apenas ao lado social. Ledo engano. Aliás, Laerte bate forte na maioria dos projetos sociais do Brasil. Para ele, não tem essa de “pobre coitado”. Ele considera que no país este tipo de trabalho tem uma caracterização de “qualquer coisa”. Sua trajetória como bolsista em Nova York o faz ter um pensamento diferente. “Têm alguns projetos que fazem uma benfeitoria muito legal para o bairro, mas fica naquela coisa de ajudar e só. Não extraem do cara o que ele tem de melhor. Eu aprendi isso nos Estados Unidos. Eu tinha bolsa de uma das melhores escolas de dança Nova York, mas eu tinha que chegar antes das seis horas da manhã para limpar o espelho. Dois dias limpando espelho e dois dias na recepção atendendo os latinos. Eu aprendi que se alguém te dá algo, você tem que merecer o que está recebendo, e é isso que eu passo para esses jovens”.

A prova de que a exigência aos bolsistas é uma das marcas da academia de Laerte é que para continuar nas aulas artísticas os jovens devem, obrigatoriamente, apresentar seus boletins com boas notas e terem presença constante. Além disso, os pais precisam mostrar presença nas atividades dos filhos e em reuniões com os professores da casa. “Pedimos boletim, frequência... Como é que você vai entender o que eu tenho para passar para você se você não estuda? Se não tiver estudando a gente corta. Se ele estiver mal na escola, a gente dá até o final do ano, mas a gente tira mesmo, para ser exemplo”.

Assim, junto com sua equipe coordenada pela Louisi Reis, Carlos Laerte continua empenhado em mudar vidas dos jovens da região. O que começou com 15 alunos, atualmente já conta com 300 de variadas faixa etárias. A casa que abriga a academia continua crescendo. Os planos são para a formação de uma banda musical e a organização de uma peça de teatro. Sonhos são realizados diariamente e já inspiram muitos jovens ajudados pelo projeto que só precisavam de uma oportunidade para mostrar o suas qualidades. “Eu trabalho há muito tempo com qualidade, um trabalho bem rebuscado. quero mostrar que é possível você fazer um trabalho de qualidade sendo projeto social”, disse Carlos Laerte.