“Os ônibus articulados do BRT estão se partindo ao meio por causa da superlotação e da pavimentação malfeita”.

“Os ônibus articulados do BRT estão se partindo ao meio por causa da superlotação e da pavimentação malfeita”. Foi assim que o vice-prefeito do Rio e secretário municipal de Transportes, Fernando MacDowell, descreveu um dos problemas do transporte público do Rio. Em entrevista ao GLOBO-Barra, o especialista em engenharia de tráfego e agora braço-direito do prefeito Marcelo Crivella falou de seus projetos para a cidade, detalhando os que estão previstos para a Barra, onde mora, e o Recreio.

Mesmo depois de tantas mudanças, a mobilidade ainda é uma dificuldade na Barra, o que gera reclamação de moradores e os faz perder horas no trânsito ou se submeter a uma série de baldeações. Além de revelar a intenção de colocar concreto na pista do BRT Transoeste, MacDowell detalhou o projeto de transporte aquaviário, que incluirá obras de saneamento básico em Rio das Pedras; prometeu que a pista central da Avenida das Américas, na altura do Recreio, voltará a ter três faixas, entre outras medidas. Em toda a cidade, ele pretende também promover a reativação de linhas que foram extintas pela racionalização dos ônibus e acabar com a dupla função dos motoristas.

Anunciado no início do ano como uma das principais propostas do governo Crivella, o sistema de transporte aquaviário serviria para fazer a ligação de condomínios e centros comerciais à estação Jardim Oceânico do metrô. A embarcação utilizada precisaria ser o hovercraft, capaz de navegar pelas águas assoreadas da Lagoa da Tijuca, e partiria do condomínio Península. Ainda assim, muitos moradores duvidam da possibilidade de o projeto se concretizar, pelo nível de poluição do complexo lagunar. À equipe do GLOBO-Barra, MacDowell afirmou que obras de saneamento básico para Rio das Pedras estarão incluídas no escopo do projeto, justamente para amenizar o problema.

Outra dificuldade é a escassez de recursos. O secretário explicou que recebeu representantes espanhóis de um fundo europeu para tratar de possível financiamento e deverá entregar-lhes um documento detalhando o projeto até o dia 19.

— O que nós fizermos de social, como o saneamento para Rio das Pedras, ajuda a conseguirmos melhores condições de financiamento. O Banco Mundial também está nos apoiando — disse MacDowell, que pretende cumprir o prazo anunciado por Crivella e inaugurar o sistema até o fim do ano. — Vamos correr para isso. Se conseguirmos fazer a dragagem da lagoa, ótimo. Mas não é fundamental, porque o hovercraft consegue navegar. Basta uma limpeza básica.

Enquanto o projeto da prefeitura não sai do papel, muitos barqueiros aproveitam o recém-inaugurado deque em frente à estação do metrô para criar novas rotas nas lagoas. MacDowell explicou que o serviço será regulamentado:

— Esses barqueiros foram os pioneiros do transporte aquático na Barra. Ninguém será retirado.

Morador do Península, Paulo Gianinni é a favor do projeto, apesar de ser cético quanto ao uso do serviço por parte dos moradores do condomínio.

— Acho superválido, até porque as ruas daqui são públicas. Mas não acho que os moradores vão querer andar de barco até o metrô; eles preferem o carro.

O asfalto também está na mira. Há duas semanas, o secretário e diretores da CET-Rio estiveram na Câmara Comunitária da Barra (CCBT), para tratar de propostas para a região e ouvir reivindicações. Presidente da CCBT, Delair Dumbrosck deu aos convidados o mesmo documento entregue a Marcelo Crivella durante a campanha eleitoral, com os principais pleitos da região. Em sua opinião, alguns pontos são de fácil solução.

— A Avenida Via Parque (entre o Downtown e o Parque Mello Barreto) já tem vários pedaços prontos; é só pegar e completar. A Dulcídio Cardoso, no lado mais próximo à Américas, já está aberto entre a ABM e o Parque das Rosas; só é preciso asfaltar um trecho na altura do Nova Ipanema para chegar na Ayrton Senna — explicou Dumbrosck, que também citou o projeto do elevado em frente ao BarraShopping, cujo estudo, encomendado pela CCBT, está pronto. — O elevado iria do BarraShopping ao Centro Empresarial Mario Henrique Simonsen, e resolveria o trânsito naquele trecho.

Em relação aos pedidos da CCBT, MacDowell disse que serão analisados. Enquanto isso, há outras mudanças em vista. Apesar de ter representado ganho de tempo na viagem, o BRT Transoeste é alvo, há tempos, de críticas. É comum passageiros enfrentarem longas filas nas estações e veículos superlotados. Para piorar, o corredor foi pavimentado com asfalto ecológico — diferentemente dos outros, feitos com concreto —, e o resultado é uma enorme quantidade de buracos e lombadas na pista. O secretário contou ter constatado a má qualidade do asfalto pessoalmente:

— Outro dia eu passei por lá de carro, na altura do Américas Shopping, e me assustei com os buracos. Minha mulher conseguia arrancar o asfalto com as mãos. Isso precisa ser refeito; temos que botar concreto ali. Os ônibus articulados estão se partindo ao meio por causa da superlotação e da pavimentação malfeita.

Intervenções na Avenida Ayrton Senna também são uma promessa. Desde a construção da Transcarioca, muitas agulhas foram feitas, ligando as pistas marginais à central, nos dois sentidos. Mas o número de acidentes aumentou, porque é comum motoristas entrarem abruptamente nas agulhas. Já os prudentes precisam desacelerar drasticamente, causando retenções.

— Há muitos obstáculos na Ayrton Senna, precisamos facilitar a fluidez — afirmou MacDowell. — Além das agulhas, pretendo botar sinais inteligentes lá e em toda a cidade, sincronizando-os.

O farmacêutico Sancler Pereira, que circula pela Ayrton Senna de ônibus, é um crítico das agulhas:

— Elas são malfeitas, precisava haver uma faixa de redução. Vejo direto carros e até caminhões entrando de qualquer jeito na pista central.

Antes de integrar o novo governo, MacDowell já era um crítico da propaganda do BRT como transporte de massa. A solução ideal, diz, é expandir o metrô até o Recreio. Ele, inclusive, coordenará os estudos para as novas obras metroviárias, que devem ser financiadas via venda de Certificados do Potencial Adicional de Construção (Cepac), numa parceria entre município e estado.

— A expansão até o Recreio seria uma obra muito menos cara do que o metrô na Zona Sul, por exemplo, porque é basicamente uma reta. E aproveitaria o Tatuzão — diz MacDowell. — O fato é que o investimento no BRT atrasou a expansão do metrô.

Mudanças nas linhas de ônibus serão anunciadas em dois meses

O BRT Transoeste também suscita crítica de moradores, principalmente do Recreio, pelo fato de ter ocupado uma das faixas da pista central da Avenida das Américas, após o Cebolão. MacDowell disse que alertou a gestão anterior de que a medida reduziria a capacidade de escoamento da via:

— Queriam forçar as pessoas a usar BRT, mas quem andava de carro continuou, e começamos a ter congestionamentos em horários em que antes não havia. É possível retomar a terceira faixa da Américas.

Na reunião na CCBT, o diretor da CET-Rio, André Ormond, também prometeu estudar ajustes para o trânsito local. Um dos principais focos é a saída do Itanhangá para a Avenida Armando Lombardi, pela ponte ao final da Estrada da Barra. Como a curva de acesso é muito fechada, os ônibus precisam ocupar as duas faixas para fazer a manobra, causando congestionamento.

A fisioterapeuta Dulce Mautone atende em um condomínio do Itanhangá três vezes por semana. Moradora de Copacabana, prefere andar até a Praça Euvaldo Lodi para tomar a condução:

— Eu poderia pegar um ônibus na porta do prédio onde trabalho, mas o trânsito é infernal. Depois das 16h, então, fica impraticável.

Outro projeto em análise é a transformação de vagas de estacionamento na Avenida Lucio Costa, na altura do Jardim Oceânico, em uma faixa de rolamento nos dias de semana. A revisão da sinalização da Barra também está sendo feita.

Uma das primeiras medidas do governo Crivella foi a suspensão do processo de racionalização dos ônibus. MacDowell revelou que anunciará novas mudanças no sistema daqui a dois ou três meses:

— Os empresários de ônibus são contra a racionalização; todo mundo concorda que era melhor antes. Hoje, as pessoas pegam até três transportes para chegar ao destino. Minha intenção é voltar com as linhas antigas, não exatamente da mesma maneira, porque a cidade mudou, mas de forma parecida. A racionalização saiu pela culatra. Posso dizer que os ônibus circulares da empresa Silvestre devem voltar. E faço questão de acabar com a dupla função do motorista. Já houve vários acidentes.

Os principais pontos:

Como o transporte aquaviário vai ser viabilizado? Fernando MacDowell citou financiamentos de fundos europeus como uma possível fonte de recursos. As conversas já começaram, e um documento detalhando o projeto será entregue aos potenciais investidores até o dia 19. A previsão é que o sistema esteja implantado até o fim do ano, diz ele.

As lagoas serão dragadas? Segundo o secretário, a ideia não está descartada. Mas basta uma limpeza básica do complexo lagunar para permitir a implantação do transporte viário, diz ele, pois serão usados hovercrafts, uma espécie de aerobarco capaz de navegar em águas assoreadas. O projeto contemplará obras de saneamento básico em Rio das Pedras.

E mudanças no BRT? MacDowell quer usar concreto na pista do Transoeste e devolver aos carros a terceira faixa da pista central da Avenida das Américas, na altura do Recreio.

Como resolver a superlotação do BRT? Para MacDowell, o metrô é a solução ideal para o transporte de massa, em detrimento dos corredores expressos de ônibus articulados.

A racionalização dos ônibus será revista? O secretário promete anunciar uma nova reorganização do sistema em dois ou três meses. A intenção é reativar linhas circulares em toda a cidade e acabar com a dupla função dos motoristas.

O metrô chegará mesmo ao Recreio? Estudos para a expansão, que deve ser viabilizada por meio de uma Parceria Público-Privada, serão coordenados pelo próprio secretário.

Haverá outras alterações no trânsito da Barra? Intervenções para melhorar a fluidez na Avenida Ayrton Senna e na entrada e na saída do Itanhangá foram promessas da Secretaria de Transportes.

As vias parques serão concluídas? MacDowell promete estudar o assunto, mas acha difícil que isso aconteça rapidamente, pois exige diálogos com vários condomínios que ocupam os traçados previstos no Plano Lucio Costa.

Opinião dos especialistas:

Procurados pelo GLOBO-Barra, especialistas comentaram as principais propostas anunciadas por Macdowell. Engenheiro de transportes da PUC, José Eugenio Leal, diz que é preciso avaliar o potencial do transporte aquaviário nas lagoas.

— Sinceramente, não sei tem escala e efetividade que justifique o investimento. Hovercraft, então, é bem caro.

Mestre em engenharia de transportes e professor da FGV, Marcus Quintella lembra que os problemas do BRT já eram anunciados desde a sua construção.

— O problema principal é que foi tratado como transporte de massa, que na realidade não é. É complementar. E ainda há os problemas construtivos, como os problemas no asfalto e os ônibus que não estão preparados para aquele impacto.

Em relação à expansão do metrô, ambos concordam que seria um benefício para a região, mas dizem que há outras linhas prioritárias na rede, como o trajeto por Botafogo e Gávea, a linha 3, para São Gonçalo e o complemento da ligação entre Carioca, Praça XV e Estácio. Quintella ainda critica o discurso de que PPPs seriam suficientes para viabilizar obras desse porte

— Mesmo em PPP há um aporte muito grande de dinheiro público. Tem recurso para isso? E quem vai subsidiar a tarifa? É difícil fechar conta. A expansão seria boa, porque a estação Jardim Oceânico está usada indevidamente como terminal, porque não há área para estacionamento ou desembarque. O certo seria no Alvorada.

Sobre a racionalização dos ônibus, Leal diz que o processo, no ano passado, foi feito de forma apressada e que visou, principalmente, ao interesse das empresas.

— Onde há oferta demais, precisa racionalizar. Mas muitas linhas importantes foram reduzidas ou suspensas e o usuário sofreu - afirma Leal, que entende que na realidade do Rio o fim da dupla função é importante. — O ideal seria eliminar o uso do dinheiro, mas atualmente não é possível. Outra mudança boa seria realocar as catracas dos ônibus. Hoje, o embarque é muito lento porque fica uma fila do lado de fora.

Já Quintella defende a racionalização na cidade, mas é a favor da volta dos ônibus circulares e do fim da dupla função do motorista.

Fonte: Jornal O Globo