Cálculo é interpretado por analistas como um indicador preliminar da desaceleração da economia brasileira na crise

Por Bruno Boghossian/ Folhapress

O consumo de energia elétrica caiu quase 15% no país nas últimas semanas, após a implantação de medidas de isolamento social contra o coronavírus. O cálculo é interpretado por analistas como um indicador preliminar da desaceleração da economia brasileira na crise.

Números do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) mostram que a carga de energia no país caiu 14,5% nas semanas em que governos estaduais e prefeituras editaram ou ampliaram decretos que limitavam o funcionamento de atividades comerciais e a circulação de pessoas.

Os dados englobam todo o sistema elétrico, o que indica que a desaceleração refletida na redução do consumo de energia do comércio e da indústria pode ser ainda maior -uma vez que as medidas de isolamento tendem a aumentar o uso de eletricidade nas residências.

Considerados apenas dias úteis, a carga do sistema elétrico nas semanas iniciadas em 23 e 30 de março foi de 61.857 MWmed. Nas duas semanas anteriores, quando ainda não havia medidas severas de isolamento, o consumo havia sido calculado em 72.377 MWmed.

Entre esses dois períodos, as restrições à atividade econômica se aprofundaram em estados populosos, que concentram parte da produção industrial e da movimentação do comércio.

As medidas seguem orientações de autoridades sanitárias e, embora sofram oposição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) devido a seu impacto sobre a economia, passaram a ser defendidas inclusive pelo Ministério da Saúde.

No Rio, o governador Wilzon Witzel (PSC) editou no dia 17 de março um decreto que suspendeu o funcionamento de shoppings, teatros e cinemas, além de impor uma redução da frota de ônibus em circulação -o que ocasionou uma limitação do transporte de funcionários de diversos setores.

No dia 24, o estado de São Paulo entrou em um período de isolamento. O governador João Doria (PSDB) determinou o fechamento do comércio e a manutenção do funcionamento de serviços considerados essenciais, como farmácias e supermercados.

Boa parte dos governos locais adotaram restrições semelhantes e ainda ampliaram a validade desses decretos ao longo dos últimos dias.

Os dados tabulados pelo ONS nesta semana indicam um ritmo de desaceleração ainda maior no consumo de energia. Na última terça (10), a carga do sistema elétrico foi de 60.702 MWmed, uma redução de 16,5% em comparação com as duas primeiras terças-feiras de março.

Medidas diariamente, as informações sobre consumo de energia são consideradas um termômetro do ritmo da economia durante a crise, uma vez que os indicadores mais robustos sobre a queda na atividade demoram para ser computados.

Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, estima que os próximos meses serão marcados por desacelerações severas na economia.

"Como outros indicadores, o consumo de energia é um antecedente do nível de atividade econômica. Vamos passar por um período, de março a maio, de quedas bastante fortes, na faixa de 20%, 30% ou até 40%", diz.

Analistas e instituições financeiras fizeram revisões drásticas de suas projeções para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2020. O Itaú calcula que a atividade no país já encolheu 2,1% no primeiro trimestre e prevê uma retração ainda mais aguda, de 6,5%, no segundo trimestre. O banco estima que o país deve encerrar o ano com um recuo de 2,5%.

Já o BNP Paribas prevê uma queda de 4% do PIB em 2020, e o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) calcula a retração em 3,4%.

Especialistas apontam que a queda brusca de quase 15% no consumo de energia reflete o efeito imediato das medidas de isolamento sobre a atividade econômica.

O pesquisador Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico, aponta que essa desaceleração ocorre "em degraus, e não como uma rampa".

"Grandes empresas pararam no tapa. Essa queda abrupta indica isso. Reconhecendo a importância dos protocolos da Organização Mundial de Saúde, elas pararam suas atividades", afirma.

Novas ondas de interrupção de atividades e redução de consumo de energia podem ser observadas nas próximas semanas, segundo Castro. Ele cita como exemplos as siderúrgicas, que ainda atendiam a demandas anteriores, mas começam a desligar seus altos-fornos.

"As coisas não param ao mesmo tempo, e algumas nem poderão parar, como o setor de alimentos. Mas outras atividades ainda vão parar. Isso ainda terá um efeito recessivo sobre a demanda de energia", diz o pesquisador.

Os números que apontam para uma desaceleração de 15% no consumo de eletricidade oferecem uma estimativa conservadora sobre o recuo da atividade econômica. O uso de energia nas residências, que representa um terço da operação no sistema, tende a aumentar com as medidas de isolamento -o que sugere que a redução no comércio e na indústria seria ainda maior.

Os dados de março sobre o consumo de eletricidade em cada setor só devem ser divulgados no fim de abril, em relatório da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), do governo federal.

O esfriamento da produção, em meio à incerteza sobre a duração da pandemia e das medidas de isolamento, amplia as dúvidas dos analistas sobre o momento da retomada da economia.

"A paralisação vem do lado real da produção, não do lado financeiro, como na crise de 2008 e 2009. Não temos certeza se, em junho, julho ou agosto haverá um sentido de recuperação firme. O mundo está viajando no escuro. Você continua voando sem saber se há uma montanha pela frente", compara o consultor Fabio Silveira.