Palácio do Planalto aposta em vice para blindar clã Bolsonaro

O Palácio do Planalto pressiona o STJ (Superior Tribunal de Justiça) a manter o afastamento de Wilson Witzel (PSC) e acredita que a corte dará uma decisão favorável à mudança no Governo do Rio de Janeiro no julgamento desta quarta-feira (2).

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já iniciou o processo de aproximação com o governador interino, Cláudio Castro (PSC) e, nos bastidores, interlocutores do governo procuraram ministros e assessores com discurso a favor da retirada do poder de Witzel, inimigo da família presidencial.

Witzel foi afastado do cargo na última sexta-feira (28) por ordem do ministro do STJ Benedito Gonçalves, após pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República). A Procuradoria o acusa de fraudar compras do governo no combate à pandemia do coronavírus para desviar recursos públicos.

O estreitamento da relação com o novo governador ficou ainda mais evidente nesta segunda-feira (31), após Castro publicar em redes sociais a informação de que recebeu uma ligação do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para falar da situação do estado.

"Recebi agora há pouco uma ligação do senador @FlavioBolsonaro, que se colocou à disposição para ajudar o Estado do Rio de Janeiro na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Diálogo! Todos pelo Rio!", escreveu Castro.

Aliados do presidente apostam na relação como o novo chefe do Executivo fluminense para blindar a família e evitar desgastes jurídicos em série como vêm ocorrendo.

Caberá a Castro indicar o chefe do Ministério Público do Rio e da Polícia Civil, órgãos que estão com o presidente e seus parentes na mira.

A aposta é que o STJ, que tem diversos ministros de olho em vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), confirme a decisão de Benedito Gonçalves, que conversou com colegas antes de dar o despacho monocrático.

Diante desse cenário, o presidente do STF, Dias Toffoli, deve aguardar uma decisão colegiada do STJ sobre o tema antes de analisar o recurso apresentado por Witzel ao Supremo.
Toffoli deixou clara essa estratégia nesta segunda-feira, ao dar um dia para o STJ prestar esclarecimentos e outras 24 horas para a PGR se pronunciar a respeito.

Com isso, o prazo total de 48 horas terminará após o julgamento de quarta-feira na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

No STJ, ministros acreditam que o colegiado poderá confirmar por unanimidade o afastamento de Witzel. Uma ala da corte diz ainda que eventual decisão nesse sentido não teria relação com qualquer pressão do governo, mas pelo que consideram robustez das provas.

O ministro Benedito Gonçalves compartilhou com os colegas as evidências que embasaram sua determinação. Os elementos foram considerados vigorosos por membros do tribunal.

O fato de o magistrado ter afastado um governador em despacho monocrático, porém, foi criticado, e um dos pontos a serem discutidos deve ser os limites do poder de um ministro em casos como este. Geralmente, decisões dessa natureza são tomadas pelo colegiado.

Benedito Gonçalves, no entanto, se preveniu antes de tomar a decisão.

Primeiro, as evidências expostas e a grande operação da Polícia Federal criaram ambiente favorável ao entendimento adotado em relação à opinião pública.

Segundo, o ministro procurou colegas e tem costurado nos bastidores a obtenção de uma maioria na Corte Especial. Além disso, tem contado com a ajuda do Planalto, que também atua para garantir o afastamento de Witzel.

Para a engenharia política e jurídica traçada pelo governo Bolsonaro dar certo, porém, ainda será necessário o auxílio da Procuradoria-Geral da República.

Policiais que atuaram na mesma operação que afastou Wilson Witzel também foram à casa de Cláudio Castro, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para fazer buscas e apreensões.

A Procuradoria afirma que Castro, em conjunto com Witzel e o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), organizou esquema criminoso para desvio de sobras do orçamento do Legislativo em proveito dos deputados.

A aposta dentro da própria PGR, porém, é que o chefe da instituição, Augusto Aras, vai tirar o pé do acelerador nas investigações que miram o Governo do Rio de Janeiro.

Assim, Castro terá tempo para se fortalecer politicamente e tentar evitar um revés jurídico que leve ao seu afastamento também. A ideia é vista com bons olhos por integrantes do STJ e também do STF que desejam uma normalização na política do Rio de Janeiro para facilitar o enfrentamento da pandemia de covid-19.

Como Castro e o presidente da Assembleia também são investigados, se ambos fossem afastados, o Executivo fluminense acabaria nas mãos do presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o desembargador Claudio Tavares.

Isso poderia conturbar ainda mais o cenário local e dar força à ideia de uma intervenção federal no estado.

Assim, a permanência de Castro é vista como uma solução, até porque ele foi eleito juntamente com Witzel, o que reduziria eventuais críticas sobre falta de legitimidade de um governador que não tenha passado pelas urnas.

Além de ver em Witzel um adversário político, aliados de Bolsonaro avaliam que a gestão de Castro é ao menos uma possibilidade para abertura de diálogo, até então travado, entre o estado e o governo federal.

Witzel, no entanto, ainda sonha em reverter a situação. Para isso, ele recorreu ao STF nesta segunda-feira contra a decisão judicial que o afastou por 180 dias do cargo de governador do Rio.

Na argumentação ao Supremo, os advogados de Witzel questionam a decisão monocrática de Gonçalves.

Para a defesa do político, há dúvida se o afastamento do cargo poderia ter ocorrido sem que uma denúncia tenha sido antes recebida pelo colegiado.

Em outro movimento que desgasta Witzel, a Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa entrou em contato com o advogado Manoel Peixinho, que cuida da defesa dele no processo de impeachment aberto pela Casa, para avisá-lo de que seria publicada nesta terça-feira (1º) intimação para a retomada do julgamento.

Na última sexta, depois que a decisão de Gonçalves afastou Witzel, o ministro do STF Alexandre de Moraes revogou a suspensão da tramitação do impeachment na Assembleia, que Toffoli havia determinado, e deu tração às movimentações para a Casa também impor um revés ao governador eleito em 2018.

O processo de impeachment, aberto por unanimidade em junho, estava paralisado desde 27 de julho, quando Toffoli, a pedido da defesa de Witzel, dissolveu a comissão original e ordenou a formação de um novo grupo que respeitasse a proporcionalidade de representação dos partidos políticos e blocos parlamentares.

Com a decisão de Moraes, o processo entrará em ritmo acelerado e será retomado do ponto em que havia parado.

Witzel terá mais três sessões para apresentar sua defesa e, depois disso, a comissão do impeachment terá cinco sessões para emitir um parecer sobre a admissibilidade da denúncia contra ele.

A expectativa é que em até duas semanas o parecer da comissão seja colocado para votação em plenário. Nessa votação, os deputados decidem sobre a admissibilidade da denúncia contra o agora governador afastado.

O fato de o STF ter liberado a Assembleia para seguir com o rito de impeachment reforçou a tendência de que os deputados afastem definitivamente Witzel do poder.

Segundo integrantes do Judiciário e parlamentares fluminenses, porém, é possível que os deputados prolonguem o rito do impeachment até o ano que vem. Isso porque, caso o afastamento definitivo ocorra a partir de 2021, o novo chefe do Executivo seria escolhido pela Assembleia em uma eleição indireta.

A decisão dos deputados sobre Witzel é importante porque abre caminho para o afastamento definitivo.

O julgamento final é realizado por um tribunal misto, composto por deputados estaduais e desembargadores. São eles que decidem se Witzel será ou não afastado definitivamente.

Em uma primeira denúncia que enviou à Justiça sobre o caso, a PGR pediu que Witzel seja condenado à perda do mandato, mas a tramitação processual, caso a acusação do Ministério Público Federal seja recebida, observa prazos bem mais dilatados.