Phillippe Watanabe (Folhapress)

Um recorde de encalhe de baleias jubarte foi registrado no Brasil no primeiro semestre deste ano, segundo monitoramento feito pelo Projeto Baleia Jubarte em todo o litoral do país. Se o ritmo atual de incidentes permanecer, 2021 pode ser o ano com mais encalhes de jubartes. Foram 48 encalhes desses cetáceos nos seis primeiros meses de 2021.O recorde anterior pertencia ao ano de 2016, com 22 incidentes documentados. Para termos de comparação, o primeiro semestre de 2021 já superou os encalhes anuais registrados nos anos de 2002 até 2009, 2011, 2012 e 2015.

"Talvez estejamos começando o pior ano de encalhes desde que começamos a registrá-los", afirma Milton Marcondes, coordenador de pesquisa do Projeto Baleia Jubarte.

São diversas as razões possíveis para encalhe, que na maior parte das vezes é sinônimo de baleias mortas chegando à praia. Os óbitos podem ser naturais, como por velhice ou por doença, podem ser resultado de filhotes que se separaram das mães, mas também podem ser resultado de atividades humanas, como contato com redes de pesca e poluição.

Há ainda outras possibilidades. Segundo Marcondes, baleias magras e se alimentando nos litorais de São Paulo e Santa Catarina -estados líderes nos encalhes- têm sido observadas. Os animais que migram pelas costas brasileiras normalmente se alimentam nas águas antárticas da Geórgia do Sul e vêm ao litoral brasileiro para se reproduzir e ter filhotes.

O pesquisador afirma que a maior parte dos animais encalhados neste ano são jovens que ainda não alcançaram a maturidade sexual e estão aproveitando os volumosos cardumes de peixes nos litoral paulista e catarinense para se alimentar.

"Como não estão na idade de reproduzir, aparentemente não estão subindo para Abrolhos e talvez fiquem pelo sul e sudeste se alimentando", diz Marcondes.

O Parque Nacional Marinho de Abrolhos é conhecido como um importante berçário das baleias jubartes (Megaptera novaeangliae) no oceano Atlântico Sul, o que proporciona turismo de observação de cetáceos na área.

As jubartes se alimentam de krill (diminutos crustáceos) e pequenos peixes. Para o banquete, as baleias sugam a água do mar e "filtram" suas presas. Animais mais magros poderiam indicar, segundo Marcondes, uma diminuição recente da oferta de krill. O impacto das mudanças climáticas nesses pequenos crustáceos com complexo ciclo de vida causam preocupação entre pesquisadores, especialmente pela participação do krill na cadeia alimentar.

Uma pesquisa publicada na revista Nature Climate Change mostrou que as mudanças climáticas podem empurrar mais para o sul as áreas onde o krill podem se desenvolver, além de poderem desencadear uma certa incompatibilidade entre o ciclo de vida do krill e as condições oceânicas durante o ano.

No site The Conversation, os autores da pesquisa escreveram que, em momentos passados de pouca disponibilidade de krill, houve queda no sucesso reprodutivo de espécies como lobos-marinhos, pinguins e albatrozes, espécies que predam esses crustáceos.

"A cada ano, as baleias jubarte migram dos trópicos para os pólos para se alimentar da enorme quantidade de krill de verão. Se o pico do krill ocorrer mais cedo, as baleias devem se adaptar chegando mais cedo ou acabarão com fome", dizem os autores. Mas o maior número de encalhes também pode ser tido, indiretamente e em parte, como uma espécie boa notícia. "A população de baleias jubarte está crescendo", afirma Marcondes. "Com mais baleias você tem mais encalhes."

De fato, a situação das jubartes melhorou a ponto desse mamífero ter sido retirado da última lista de espécies ameaçadas de extinção. O "Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção", do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), aponta que a continuidade da proibição de caça e as iniciativas de conservação são essenciais para a espécie continuar fora de risco.

A nem tão antiga pesca comercial de baleias impactou fortemente as populações de jubartes no mundo. Uma moratória de caça de baleias, instituída pela International Whaling Commission e em vigor desde 1985/1986, tem ajudado na recuperação das jubartes, segundo a NOOA (National Oceanic and Atmospheric Administration, agência dos EUA).

Mas isso não quer dizer que todas as ameaças foram extintas. Os grandes cardumes no litoral de São Paulo e Santa Catarina aproximam as jubartes da atividade pesqueira comercial, o que pode colocar esses cetáceos em risco.

O ano de 2021 também já detém número recorde de baleias presas –e mortas– em redes de pesca, segundo Marcondes, que ainda contava com dados provisórios na última vez em que conversou com a Folha.

O pesquisador diz estar preocupado com a mortalidade atípica nesse ano. "Se forem mesmo mudanças climáticas afetando o ecossistema da Antártida e diminuindo a oferta de alimentos para as baleias, isso pode ser um problema sério", afirma Marcondes. "De qualquer maneira, se não é um problema que afeta a recuperação da espécie, certamente é um problema de bem-estar animal. As baleias que morrem por falta de alimento ou vítimas de emalhe em redes de pesca sofrem muito."

Redação

No passo em que a agenda climática brasileira ganha cada vez mais relevância internacional, o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa crescem no país, conforme os dados do SEEG Municípios. Apesar de existirem esforços envidados pela sociedade civil e pelo governo federal para identificar mecanismos de financiamento para projetos de mitigação e adaptação, e a despeito de sua importância estratégica, o financiamento climático para governos subnacionais é ainda pouco explorado no Brasil.

Neste contexto, orientado pela visão de apoiar as capitais brasileiras em suas trajetórias para tornarem-se cidades mais sustentáveis, o Fórum CB27, que reúne os dirigentes das pastas responsáveis pelo meio ambiente nas prefeituras das 26 capitais brasileiras e no governo do Distrito Federal, promove nesta sexta-feira (16/07) o XXI Encontro Nacional, com o objetivo central de promover o debate acerca do financiamento para a ação climática local.

Realizado em formato híbrido, o encontro terá transmissão ao vivo a partir de Rio Branco, capital do Acre e centro geográfico da Floresta Amazônica, e reunirá Eduardo Cavaliere, secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Coordenador Nacional do Fórum CB27, Normando Salles, secretário de Meio Ambiente de Rio Branco, Carlos Ribeiro, secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife, Germano Bremm, secretário de Meio Ambiente e da Sustentabilidade de Porto Alegre e Elizabeth Sá, secretária de Meio Ambiente de Teresina.

– É um privilégio receber autoridades das 27 capitais do nosso país, Rio Branco sente-se honrada em sediar o XXI Encontro Nacional do CB27, um encontro de trabalho dos secretários do Meio Ambiente, todos unidos, num esforço global, criativo e perseverante, para melhor utilização do meio ambiente – afirma o prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom.

Durante o encontro, serão apresentadas boas práticas e experiências exitosas de cidades brasileiras na pauta de financiamento climático. Além dos secretários de Meio Ambiente e de representantes do ICLEI América do Sul, estarão presentes também instituições financeiras, como BNDES, Banco do Nordeste, BRDE e Climate Ventures.

Com a iniciativa, o CB27 espera contribuir para o amadurecimento da agenda climática a nível local, expandindo as capacidades das partes interessadas e conectando atores para identificação de desafios e oportunidades.

– Rio Branco é o centro geográfico da Amazônia. Cumprindo o compromisso assumido no pacto dos biomas, nossa gestão do CB27 propõe que as capitais brasileiras se dediquem ao financiamento climático e à proteção dos ativos ambientais como tema central para cooperação. Estamos em busca de soluções para o financiamento da ação climática. Menos carbono, mais desenvolvimento. A agenda construída no CB27 parte da defesa dura dos biomas como condição de retomada verde das capitais brasileiras. É este espírito que nos leva da Mata Atlântica à Amazônia – – afirma Eduardo Cavaliere, secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Coordenador Nacional do Fórum CB27.

Em 2019, a SITAWI realizou o estudo “Finanças verdes para cidades brasileiras: mecanismos financeiros”, com o apoio do ICLEI e CB27, cujo objetivo foi identificar mecanismos de apoio financeiro aplicáveis ou já aplicados a projetos verdes no âmbito municipal no Brasil. A pesquisa identificou 71 mecanismos de 25 instituições financeiras que apoiam projetos dentro dos temas elencados, dos quais 50 são nacionais e 21 internacionais. Dentre os temas selecionados, água e saneamento urbano foi o pilar com maior número de mecanismos identificados (39), seguido de eficiência energética (31), mobilidade urbana sustentável (29) e infraestrutura (29). Observou-se que mais de 80% dos mecanismos apoiam projetos de mais de um dos temas elencados. Com este diagnóstico, cabe, portanto, aprimorar as capacidades dos governos locais para acessarem os recursos disponíveis, a partir da elaboração de projetos financiáveis.

O relatório “Financiamento Climático para Adaptação No Brasil: Mapeamento de Fundos Nacionais  e Internacionais” (Instituto Ethos e WWF-Brasil, 2017) também indica que o financiamento climático será o principal vetor para acelerar a redução das emissões de GEE e aumentar a resiliência dos territórios. Este é, também, reconhecido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas de Mudança do Clima como um dos principais caminhos para a implementação local do Acordo de Paris.

As cidades têm responsabilidade e capacidade de executar políticas públicas e projetos locais para evitar impactos severos nos seus setores produtivos, no ecossistema biológico e na dinâmica urbana de seus territórios para demonstrar o compromisso com o enfrentamento à crise climática e contribuir para a implementação da NDC brasileira no âmbito do Acordo de Paris, governos locais precisam adotar medidas ambiciosas de mitigação e adaptação, de maneira urgente.

Dhiego Maia (Folhapress)

Ao menos 6.122 crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta e intencional no Brasil em 2020, uma alta de 3,6% em relação aos 5.912 casos registrados no ano anterior.
São 12.034 brasileiros que não chegaram à fase adulta por causa da violência, o que representa 17 casos oficiais por dia ao longo dos anos de 2019 e 2020. Os números foram divulgados nesta quinta-feira (15) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em seu 15º anuário, um estudo que disseca a violência no país. A entidade diz que está compilando dados de violência contra crianças e adolescentes de anos anteriores para estruturar uma série histórica.

Os casos registrados no anuário são de homicídio doloso (quando há intenção de matar), feminicídio, lesão corporal seguida de morte, latrocínio (roubo com morte) e assassinatos decorrentes de intervenção policial.

As vítimas, no geral, têm um perfil: são meninos e negros. O crime que mais matou quem tinha até 19 anos em 2020 foi o homicídio doloso (82,4% dos casos). Os estados com as piores taxas por 100 mil habitantes de mortes violentas contra essa parcela da população são Ceará (27,2), Rio Grande do Norte (20,9), Sergipe (20,6) e Pernambuco (20,3). O levantamento chama a atenção para a influência da pandemia de Covid-19 como um agravante da violência letal contra os brasileiros menores de idade.

As vítimas perderam nesse período o principal canal de escuta: a escola. Forçadas a ficarem em casa, também tiveram que conviver mais tempo com pais e cuidadores que, em muitos casos, são os responsáveis pelas agressões.

De outro lado, os organismos de proteção à infância e as próprias polícias também perderam força de atuação nas regiões mais vulneráveis do país. No caso da Polícia Civil, as baixas de pessoal e a suspensão dos trabalhos das delegacias comprometeram a qualidade dos registros das ocorrências e as investigações dos crimes.

A pesquisadora Sofia Reinach, a responsável pelo estudo, fez um recorte por faixa etária. Ela tabelou os casos registrados nos boletins de ocorrência das polícias estaduais e no sistema DataSus, que notifica as agressões que resultaram em mortes cadastradas pelas unidades de saúde.

A pesquisadora descobriu que as crianças são vítimas potenciais de violência doméstica. Já os adolescentes são alvos da violência urbana. "As crianças foram mortas mais em casa, por uma lesão corporal grave com predomínio do uso de faca, com os autores dos crimes identificados como pais ou cuidadores", diz a pesquisadora.

Ao menos 480 vítimas tinham até 14 anos. Entre 0 e 4 anos, foram localizadas 170 crianças mortas violentamente dessa forma. O feminicídio também apareceu em aproximadamente 5% dos registros entre as meninas com até nove anos de idade.

Um crime recente registrado em março deste ano jogou luz sobre a gravidade das agressões domésticas contra crianças. O menino Henry Borel, 4, do Rio de Janeiro, foi assassinado em casa após sofrer 23 lesões.

A perícia no corpo do garoto localizou escoriações e hematomas, infiltrações hemorrágicas em três regiões da cabeça, laceração no fígado e contusões no rim e no pulmão à direita, entre outros. As investigações mostraram que Henry já havia sido agredido em ocasiões anteriores.

O vereador cassado Dr. Jairinho e a namorada dele, Monique Medeiros, 32, mãe de Henry, foram presos sob a suspeita de homicídio duplamente qualificado -por emprego de tortura e impossibilidade de defesa da vítima.

"É um tipo de crime que se espalha pelo país de uma forma silenciosa sem gerar uma indignação. Tem criança sendo espancada e morta dentro de casa", afirma Reinach. Mesmo que a violência não sendo diretamente à criança, ela pode ser facilmente afetada e vir a ser assassinada se estiver em lares cujas mães são agredidas pelos companheiros, conta a pesquisadora.

Nos grupos etários seguintes, a pesquisa mostrou que os homicídios dolosos passam a ter menor participação na distribuição e as mortes decorrentes de intervenção policial têm crescimento desproporcional em relação aos outros tipos de crime.

As mortes por intervenção policial representam 6% e 15% dos casos entre as vítimas de 10 a 14 anos e 15 a 19 anos, respectivamente. "A desigualdade é enorme nessas faixas etárias. Há predominância de meninos negros atingidos por armas de fogo nas vias públicas em algum tipo de intervenção feita pela polícia", diz a pesquisadora.

"Por isso, é fundamental que, ao discutir violência letal de crianças e adolescentes, tratemos de dois fenômenos diferentes conjugados", aponta o relatório. O que ocorre no país, segundo a pesquisa, é uma antecipação na curva etária de vítimas de mortes violentas na comparação com o que se observa em outras localidades, como nos países europeus -onde a faixa etária mais vulnerável está entre 30 e 44 anos, por exemplo.

"Existe um contexto pandêmico que tem exigido políticas públicas mais abrangentes que olhem para o problemas de forma diferenciada", diz Reinach. "É preciso ampliar os canais de escuta para amparar as crianças antes de uma tragédia".

"Estamos falando do ápice da violência que resulta em morte. Mas quantas crianças estão sendo agredidas e empurradas para um cemitério de forma silenciosa?".

Flávia G. Pinho (Folhapress)

Uma nova marca de móveis desmontáveis busca atender quem trabalha em casa, mas não tem de um espaço exclusivo para isso. Lançada em junho, a Workally funciona no modelo de assinatura, contratado por empresas para seus funcionários em home office.

Com operação em todo o país, a companhia oferece duas opções de estações de trabalho, que podem ser montadas e desmontadas em minutos, sem uso de ferramentas. Ambas são fabricadas pela Alberflex em MDF e tubulações metálicas.

O modelo Minimally tem luminária de LED, biombo com tratamento acústico e tomadas integradas. Já o escritório Cally é dotado também de anteparos laterais e plataformas para teclado e monitor com regulagem de altura. Desmontadas, as estruturas podem ser guardadas debaixo de um sofá, por exemplo.

A assinatura do modelo mais compacto custa R$ 65 e, do mais completo, R$ 145 -preços para no mínimo 50 unidades. A marca se responsabiliza pela entrega e retirada dos móveis no endereço de cada funcionário.

As peças também podem ser customizadas com as cores e o logo de cada empresa. Dessa forma, o profissional tem a sensação de entrar no escritório, afirma o arquiteto Jean-François Imparato, 52, fundador da Workally.

"Assim como as grandes empresas alugam automóveis para seus executivos, elas podem assinar os móveis para os colaboradores que estiverem em home office. Achamos que a propriedade não faz mais sentido", diz.

Especializado em projetos corporativos, o arquiteto criou a Workally quando precisou repensar a sua atuação durante a pandemia. Francês, ele está desde 2012 no Brasil e assinou escritórios de grandes empresas, como o da Booking.com, da Chanel e da Evino.

Seu último projeto do gênero, para a Midway Financeira, foi entregue em dezembro de 2019. A equipe teve apenas dois meses para aproveitar o novo espaço antes da migração para o home office. ​

"Com os escritórios vazios, vi que nasceria um novo tipo de comportamento. Passei, então, a desenvolver um produto que permitisse, a qualquer um, trabalhar em casa ou em qualquer outro lugar."

Na opinião do arquiteto, o formato híbrido de trabalho veio para ficar e não será mais permitido às empresas improvisar -a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) determina que os empregadores são responsáveis por garantir boas condições de trabalho a seus colaboradores em home office, o que inclui fornecer mobiliário ergonômico.

"Nem todo mundo tem espaço e dinheiro para montar um escritório em casa, e essa solução permite que qualquer um tenha um local adequado para trabalhar". Por enquanto, os móveis Workally só estão disponíveis para o mercado corporativo, mas Jean-François não descarta a possibilidade de, em breve, fazer seus produtos chegarem ao varejo.

Júlia Barbon (Folhapress)

Nem a pandemia do coronavírus foi capaz de reverter a alta de mortes por intervenções policiais no Brasil. O número de ocorrências desse tipo cresceu levemente em 2020, pelo sétimo ano seguido, e triplicou se comparado ao início da série histórica.

Foram 6.416 pessoas mortas por agentes do Estado no ano passado, mais de 17 por dia, mostra o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública lançado nesta quinta (15). Em 2013, primeiro ano com dados disponíveis, o total era bem mais baixo: 2.212.

Segundo pesquisadores da área, a curva crescente é mais um reflexo da ausência de políticas de controle da letalidade policial e não deve dar sinais de queda até que medidas estruturais sejam implementadas pelos estados.

Dezoito unidades da federação tiveram alta nos óbitos por agentes de segurança de 2019 para 2020, e nove tiveram queda. Entre os principais responsáveis por puxar essa estatística para cima no último ano estão Bahia, Goiás e Paraná, em números absolutos -as maiores taxas estão no Amapá, Goiás e Sergipe.

O aumento total do país, porém, foi bem mais brando do que nos anos anteriores. Isso porque o Rio de Janeiro, que concentra quase um quinto dessas mortes, registrou uma queda significativa (31%), e São Paulo, também importante, encolheu 6%.

Os fluminenses vinham observando esse número inflar continuamente desde 2014, mas ele despencou em junho do ano passado, assim que o STF (Supremo Tribunal Federal) restringiu operações em favelas. Neste ano, mesmo com a decisão ainda em voga, o estado voltou aos níveis anteriores, de 150 óbitos por mês.

A Polícia Militar diz que "as forças de segurança do estado atuam num cenário complexo, no qual há décadas facções criminosas rivais disputam território de forma extremamente violenta. Apesar de todas as dificuldades, os indicadores criminais demonstram reduções expressivas e contínuas".

No caso dos paulistas, o sociólogo David Marques, um dos responsáveis pelo anuário, atribui a melhora à repercussão de uma sequência de casos de abusos por policiais no estado, que levaram o governo de João Doria (PSDB) a anunciar medidas como um retreinamento dos agentes e a ampliação de câmeras em uniformes.

"A partir da morte de George Floyd nos EUA, houve um grande movimento de crítica aos abusos e à desigualdade racial, o que gerou uma resposta", diz. Quase 80% das pessoas vitimadas pelas polícias em 2020 eram negras, sendo que essa é a cor de 56% da população brasileira. Os mortos também são basicamente homens e jovens.

Tânia Pinc, major da reserva de SP que há quase dez anos estuda por que as polícias matam, afirma que a maior parte das mais de 6.000 mortes registradas no país poderia ter sido evitada.

Elas representam, em média, 13% de todas as mortes por causas violentas no Brasil. Em alguns estados, chegam a corresponder a quase um terço (Amapá, Goiás e Rio) ou um quarto delas (Sergipe, São Paulo e Pará).

A pesquisadora detalha três principais fatores que influenciam na decisão do agente de atirar e que podem estar mantendo esses números tão altos no país -e, portanto, deveriam ser levados em conta para encontrar possíveis soluções.

O primeiro é o preparo profissional, que envolve estratégias das corporações para treiná-los a enfrentar situações de risco. O segundo ela chama de "compliance", o comprometimento que esses agentes têm com a lei, que é algo muito mais individual e difícil de controlar, e cujos desvios devem ser detectados, por exemplo, na seleção e no recrutamento.

Já o terceiro é algo ainda não estudado no Brasil: a reação espontânea do corpo às ameaças, no campo da neurociência. Quanto maior a ansiedade, maior a probabilidade de erro, de o policial atirar quando não deveria, ou de não atirar quando deveria.

"Há países já aplicando isso em programas de treinamento, mas é uma área muito pouco explorada", diz. "Eu ouvi muito de policiais, principalmente no Rio: 'Eu sou um excelente atirador, no estande eu acerto tudo, e aqui precisei dar cinco tiros para acertar um'. Então a capacitação tem que criar um ambiente muito similar à vida real", explica.

As mortes por intervenção do Estado também estão concentradas em poucos lugares, o que indica que ações direcionadas a eles poderiam ser mais efetivas. Apenas 50 municípios (0,9% do total) acumulam mais da metade de toda a letalidade policial do país.

O RJ novamente é o estado que mais aparece nessa lista, com 15 cidades, principalmente da região metropolitana. Mas há também taxas altíssimas na paraense Tomé-Açu, com apenas 64 mil moradores, e nas baianas Luís Eduardo Magalhães e Santo Antônio de Jesus, com cerca de 100 mil habitantes.

POLICIAIS TAMBÉM MORRERAM MAIS

Outra estatística negativa trazida pelo anuário é o aumento no número de policiais militares e civis mortos em 2019 e 2020, de 172 para 194 -não há série histórica. As corporações paulistas passaram as fluminenses e agora estão no topo da lista, com 49 óbitos.

Quem mais matou agentes de segurança no período, porém, foi o coronavírus, com 472 vítimas no total. Os pesquisadores calcularam que um em cada quatro servidores chegou a ser afastado das ruas por causa da doença (131 mil pessoas).

"A situação dos policiais piorou bastante no ano passado, juntando a pandemia com a violência", diz David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mais uma vez os negros foram os mais atingidos: representaram 63% dos agentes vitimados, apesar de configurarem 42% dos efetivos.

As mortes desses servidores na folga ou em bicos também seguem como o grande gargalo no país. Segundo a major Tânia Pinc, elas estão relacionadas à ideia de que "o policial é policial 24 horas por dia" e à questão do porte de arma fora de serviço. Mas, nessas situações, eles não têm parceiro, viatura nem comunicação, então ficam vulneráveis.

"A morte do policial ainda é um tabu, se fala e se avalia muito pouco o que acontece nessas situações. A visão é de que 'morreu, virou herói', então não pode dizer que errou. Não se aprende com os erros e continua morrendo", diz ela.