Por: Matheus Rocha

No alto da favela da Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro, o frio é cortante. O termômetro marca 20°C, mas a sensação térmica na tarde desta quarta-feira (18) era bem menor e na madrugada a temperatura chegou a 11,8°C. No entanto, nas áreas mais pobres da maior favela do Brasil, há quem não disponha nem de janela coberta para deixar o frio no lado de fora.

É o caso de José Bento Vital, 58, que não tem fonte de renda fixa e tenta se aposentar por invalidez em razão de um problema causado por varizes nas pernas.

Ele mora em um quarto sem energia elétrica e água encanada na localidade conhecida como Laboriaux, na parte alta do morro. O imóvel tem o chão tomado por diversos objetos, como pneus, latas e ferros, que ele tenta vender para a reciclagem em troca de algum dinheiro.

"Desde quinta-feira (12) passada tem feito frio e ainda tem a ventania. Aqui em cima venta muito, então o frio acaba dificultando mais as coisas", diz ele, sentado ao lado do batente de uma janela sem qualquer proteção a não ser por um pano fino por onde a friagem entra facilmente.

A porta também está quebrada e não garante a vedação do imóvel. "Para me proteger do frio durante a noite, eu uso os cobertores doados pela igreja", explica ele.

Esses não são os únicos itens que ele consegue por meio de doações. Durante a entrevista, Vital aponta para o teto, onde está pendurado um varal com calças e agasalhos que recebeu da igreja. "Essas doações representam muito para mim", diz ele, que também precisa de doações para se alimentar.

A casa até tem botijão, mas o gás acabou. Sem dinheiro, Vital não consegue comprar outro botijão para cozinhar. A única forma de manter a barriga cheia é pegar doações em igrejas, pensões e feiras. "Mas eu não consigo me alimentar bem. Eu vendo o almoço para comprar a janta. Às vezes, eu só como pão com mortadela. Já passei de dois a três dias sem ter nada para comer."

O pastor Jorge Grutt, 55, é uma das lideranças que ajudam pessoas em vulnerabilidade social a terem o que comer durante as noites frias da Rocinha. Ele conta que conhece na pele as dificuldades impostas pelo frio e pela pobreza.

"Eu já passei por todas essas questões. Hoje, eu me coloco no lugar das pessoas que passam por isso. Eu sei o que é dormir sem coberta, dormir com frio e com fome."

O pastor diz ainda que essa onda de frio tem sido particularmente dura às pessoas que têm problemas respiratórios. "Aqui é muito gelo. Eu tenho visto que os moradores precisam das autoridades e das pessoas que podem ajudar.

As famílias carentes estão precisando de muita ajuda aqui. Tem que olhar mais para a comunidade."

Maior favela do Brasil, com 25.742 domicílios, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Rocinha é controlada pelo tráfico e marcada pela vulnerabilidade socioeconômica.

De acordo com dados da prefeitura, o IDS (Índice de Desenvolvimento Social) da comunidade é de 0,533. Para se ter uma ideia da disparidade, esse mesmo índice chega a 0,819 na Lagoa, bairro de classe média alta vizinho à Rocinha.

Os dados foram feitos com base no último censo do IBGE, divulgado em 2010. O IDS leva em conta indicadores como acesso a saneamento básico, qualidade habitacional e grau de escolaridade.

Por meio de nota, a Secretaria de Assistência Social disse que, para as famílias vulneráveis de favelas, há centros de apoio espalhados pela cidade que fornecem roupas e calçados de frios, cobertores, mantas e toucas. Essas peças estão sendo doadas pela sociedade civil desde terça-feira (17).

"Também estão sendo licitadas 55 cozinhas nas favelas, dentro do programa Prato Feito Carioca que, a partir de junho, servirão refeições para pessoas em situação de extrema pobreza."
Além disso, a pasta diz ter antecipado em um mês a campanha do agasalho para receber doações em três centros municipais. A ideia é disponibilizar nesses espaços alimentação, água e itens para combater o frio, como roupas, calçados e cobertores.

A poucos metros da casa do pastor Jorge, Adriana Araújo de Souza, 51, catava latinhas e garrafas em uma pilha de lixos. Desempregada, ela mora com outras quatro pessoas em um imóvel de dois cômodos –um quarto e um banheiro.

"A gente dorme todo mundo junto em uma cama só, porque não tem espaço para colocar outra no quarto. Com essa onda de frio, a gente vai levando do jeito que Deus quer, porque o frio aqui é muito forte."

Ela diz que a queda das temperaturas tem agravado problemas respiratórios em sua família. "Minha neta tem bronquite, e o quarto é bem úmido. Como a gente só tem ele para morar, tem que viver ali mesmo."

O frio também adiciona mais uma camada de dificuldade ao cotidiano da pensionista Maria de Nazaré Gama Cotta, 62. "Tudo é difícil no frio e todo mundo acaba sofrendo", diz ela, que mora sozinha em uma quitinete na Rocinha. "Eu fico mais vulnerável a doenças também, fico mais gripada. Eu não gosto do frio, me dá tristeza", diz.