Família da jovem registrou ocorrência

 

 

O bullying teve início nas redes sociais no começo de agosto, quando um vídeo na rede social TikTok compilava os termos usados por colegas de classe da jovem. A adolescente foi vítima de homofobia, ataques gordofóbicos e racismo, todos feitos pelos próprios colegas de turma da jovem na Barra da Tijuca. Em uma das mensagens outra aluna do colégio se referia a estudante dizendo que "Tinha que ser gorda, lésbica, despeitada e desbundada sem amigos, pobre e bolsista".

“A escola e todos estão falando apenas em bullying, mas a minha filha foi vítima de um crime e quem fez isso precisa ser punido”, disse a mãe da adolescente. “Fico muito preocupada com tudo isso, com essa variação de humor que ela tem mostrado. A gente nunca sabe ao certo o que se passa na cabeça de adolescente. Estamos dando todo o apoio e ela tem recebido suporte psicológico, mas as marcas são bastante fortes”, completou ela.

A vítima vive com a mãe a madrasta, o que teria gerado os ataques com teor homofóbicos. Bolsista por ser enteada de uma funcionária do colégio, onde permanece estudando, a adolescente agora passa por acolhimento psicológico custeado pela família de duas a três vezes por semana. A mãe falou sobre a dor de ver sua filha passar por algo, do qual ela mesma já passou, que são os comentários homofóbicos, e como isso torna a dor ainda maior.

“É muito doloroso, me vejo tendo que revisitar dores do passado. Passei por isso durante toda a adolescência, sempre estudei em escola particular e ataques desse tipo eram constantes. Mas agora viver isso em família... Ter que ver uma filha passar pelas mesmas dores é muito pior, parece que machuca em dobro”, declarou.

Por meio de nota, o colégio Eleva informou que “repudia atos discriminatórios de toda e qualquer natureza e se solidariza com a aluna que sofreu tal situação”. A escola afirma ainda que adota medidas de prevenção do bullying com “ações do dia a dia da escola, identificando agressões verbais e não-verbais” e também em “eventos como Olimpíadas, Semana da Gentileza, aulas de campo, apresentações artísticas, rodas de confiança semanais em que os alunos são convidados a falar sobre qualquer assunto que os esteja preocupando, assim como discutir possibilidades de reparação”. As quatro alunas que fizeram as ofensas foram punidas com suspensão.

As mães da vítima foram até a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), nesta quarta-feira, para registrar o caso. De acordo com a mãe da menina, mesmo após as ações feitas pela escola, a jovem não está se sentido bem e tem enfrentado problemas de autoconfiança.

Razões para preocupação não faltam: o Disque 100, serviço de denúncias de violações subordinado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, registrou 110 denúncias de bullying contra crianças e adolescentes no Estado do Rio no primeiro semestre de 2022. Esse número é quase o triplo dos 34 casos notificados entre janeiro e junho do ano passado.

Lei antibullying

No site da rede social TikTok, onde os ataques à adolescente de 12 anos foram postados, existe uma referência à Safernet — associação civil de direito privado sem fins lucrativos que, desde 2005, busca resguardar princípios da liberdade e dos direitos humanos por meio do uso seguro da internet — na página para quem busca aprender a lidar com o bullying. 

“Temos trabalhado com esse tema há 16 anos e parece que estamos sempre começando. É preciso haver mais comprometimento. O Brasil tem legislação específica para isso. Falta dar prioridade para implementá-la na agenda de escolas e secretarias”, diz o diretor de educação da Safernet, Rodrigo Nejm.

A Lei 13.185, de 2015, da qual Nejm se refere, criou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying). O texto legal considera “dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática”, assim como a elaboração de “relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática nos Estados e Municípios para planejamento das ações”.

Mesmo que o texto da Lei trate de bullying, Nejm, que também é doutor em psicologia, alerta para a fronteira entre “intimidação sistemática” e crime. “O racismo e a homofobia, por exemplo, são crimes, e as pessoas têm que saber que agir dessa forma, seja na internet ou fora dela, trará consequências”, explica.

O especialista em antropologia social e letramento racial pela UFRJ, Ricardo Tassilio de Albuquerque, conta que por ser negro cresceu sofrendo ataques no colégio particular onde estudou. Hoje, ele acredita que os problemas se intensificaram porque transbordam os muros das escolas e perseguem as vítimas até em casa, através das redes sociais: “Em termos de assédio piorou, mas temos mecanismos mais efetivos. Não há mais um refúgio em casa, um respiro. As escolas precisam tratar isso de outra forma. Quando uma criança furta algo dentro da escola é tratado objetivamente com punição. Quando se comete bullying, seja racista ou homofóbico, o problema é tratado mais como ilícito moral, algo a ser trabalhado dentro da criança. Muitas vezes pais e educadores não se aprofundam numa questão em que não têm interesse de resolver”, ressalta.

Na rede pública, a Secretaria municipal de Educação do Rio, consultada sobre como enfrentar o problema, informou que “volta as suas atenções para a segurança, a saúde mental e o bem-estar de seus alunos”. Entre outras ações destacou a “Semana de Prevenção às Violências na Escola, realizada no início do mês”. A Secretaria estadual de Educação respondeu que "promoveu o Conexão Gentileza, cuja a ideia foi desenvolver as habilidades socioemocionais, por meio de ações simples e práticas do cotidiano das próprias escolas", além de lançar o guia "Seeduc enfrentando o Bullying e Cyberbullying" com orientações sobre as práticas e "quais as suas características e formas de expressão, além de como a escola pode intervir preventivamente".